Talvez um filme polêmico e fora dos padrões comerciais. Um filme totalmente reflexivo que se não assistirmos por uma ótica interpretativa a que o diretor Yorgos Lanthimos nos quis mostrar, acharemos o filme completamente estranho, incongruente, sádico e até perverso.
Trata-se de O Lagosta (2016) – The Lobster, com os atores principais Colin Farrel e Raquel Weisz.
O filme mostra um futuro próximo onde há uma lei em que as pessoas não podem ser solteiras. Todos têm que ter um par. Quem não encontrar um parceiro ou parceira é obrigado pelas autoridades a ficar recluso numa espécie de hotel. Lá permanece por 45 dias com o objetivo de arrumar um par dentre os que forem direcionados ao hotel. Ao final deste prazo, quem não consegue seu par é transformado num animal a sua escolha e solto na floresta.
Os pares formados retornam para a cidade para se tornarem casais felizes, perfeitos e com suas vidas cotidianas em harmonia com a sociedade.
Assim, não existem adultos solteiros na cidade. Todos são vigiados e perseguidos. Os solteiros são tratados pelas autoridades como criminosos, desviantes e imorais.
Ao lado do hotel para onde são encaminhados, existe uma floresta onde se refugiam pessoas solteiras, sem pares. São os chamados “solitários”, vivem isolados em uma espécie de seita contrária aos padrões impostos pela sociedade e autoridades. Porém, esses são caçados pelos conviventes do hotel como forma de aumentar o tempo de estadia no hotel proporcionando mais tempo para encontrar um par.
Essas caçadas são diárias. Utilizam-se rifles com munição de dardos tranquilizantes.
Aqueles que forem abatidos (caças), são direcionados a um local específico do hotel onde são transformados em animais e devolvidos a floresta.
Já aqueles que formarem pares no hotel, recebem uma grande festa de comemoração e são direcionados a uma espécie de lua de mel num Iate, onde permanecem por 15 dias. Ao final, configurando-se o par, são direcionados de volta para a cidade a fim de viverem uma vida feliz enquanto casal e se ajustarem aos supostos valores morais e sociais desta.
Interpretação/relação com a nossa realidade/sociedade
O filme é polêmico, tenso, com algumas cenas e diálogos fortes e marcantes, isso junto a uma trilha sonora de fundo agoniante durante quase todo o decorrer do filme.
Não há um final feliz ou onde tudo é explicado. A intenção e grande mérito do filme é fazer uma interpretação da nossa sociedade, onde a solidão é tão mais punitiva do que a própria solidão.
Trata-se de uma crítica ao padrão social do casamento, um rito de passagem celebrado por todas as culturas e por todos os povos.
Porém, a grande pergunta é: é preciso casar ou ser casado para ser feliz?
Você só será aceito na sociedade se for casado?
Assim, solteiros e divorciados são vistos como fracassados?
Esse é o real contexto do filme, abrir uma reflexão sobre a solidão e o mundo a dois.
Por vezes, nos deparamos com a solidão dentro desse próprio mundo a dois. Quantos casamentos arrastados, infelizes e até relacionamentos abusivos se dão entre quatro paredes.
Não é uma crítica a instituição casamento em si, mas sim a obsessão social, a construção social, pressão familiar e introjeção dessa pressão para que se case. Como se o amor só existisse no casamento. Sim, ele é e pode ser a expressão simbólica do amor entre duas pessoas, mas o casamento em si não pode tomar para ele a figura do amor.
Por vezes, notamos em grupos sociais que há olhares e tratos diferenciados entre o estar só e o estar casado.
Será que só seremos bem aceitos na sociedade se formos casados?
Uma cena do filme que marca bem o que estamos discutindo, se refere aos bailes que acontecem no hotel. Assim, como na vida real, percebe-se uma pressão introjetada entre os presentes para que consigam flertar e conquistar um par.
Nada diferente do que acontece na vida real, não é? A pressão ou introjeção de sentimentos ligados ao objetivo de não voltar só para casa.
Também correlacionamos e interpretamos isso como toda a pressão social ou familiar para estarmos acompanhados.
Assim como no filme, o estar só, solteiro, significa sinal de fracasso, solidão, incompetência nas relações afetivas ou alguém não interessante ou atrativo.
De forma inconsciente ou até mesmo como expressão consciente, separados e divorciados também são vistos na nossa sociedade como fracassados, alguém que não deu certo ou que não foi suportado por outro alguém. Não foi capaz de se manter numa relação, mesmo que a contragosto. Não conseguiu atingir o padrão social, o status social de pai ou mãe de família, numa família feliz ou supostamente feliz.
Hoje em dia devemos reconhecer que não necessariamente precisamos do casamento para amar. O amor é um verbo único, que não depende de rituais ou ritos de passagem para se tornar legítimo.